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sexta-feira, 17 de outubro de 2014

''O Poço e o Pêndulo'' de Edgar Allan Poe

''O Poço e o Pêndulo'' (The Pit and the Pendulum), é um conto de Edgar Allan Poe publicado em 1842. 

Estava exausto, mortalmente exausto com aquela longa agonia e, quando por fim me desamarraram e pude sentar-me, senti que perdia os sentidos. A sentença - a terrível sentença de morte - foi a última frase que chegou, claramente, aos meus ouvidos. Depois, o som das vozes dos inquisidores pareceu apagar-se naquele zumbido indefinido de sonho. O ruído despertava em minha alma a idéia de rotação, talvez devido à sua associação, em minha mente, com o ruído característico de uma roda de moinho. Mas isso durou pouco, pois, logo depois, nada mais ouvi. Não obstante, durante alguns momentos, pude ver, mas com que terrível exagero! Via os lábios dos juízes vestidos de preto. Pareciam-me brancos, mais brancos do que a folha de papel em que traço estas palavras, e grotescamente finos - finos pela intensidade de sua expressão de firmeza, pela sua inflexível resolução, pelo severo desprezo ao sofrimento humano. Via que os decretos daquilo que para mim representava o destino saíam ainda daqueles lábios. Vi-os contorcerem-se numa frase mortal; vi-os pronunciarem as sílabas de meu nome - e estremeci, pois nenhum som lhes acompanhava os movimentos. Vi, também, durante alguns momentos de delírio e terror, a suave e quase imperceptível. ondulação das negras tapeçarias que cobriam as paredes da sala, e o meu olhar caiu então sobre as sete grandes velas que estavam em cima da mesa. A princípio, tiveram para mim o aspecto de uma claridade, e pareceram-me anjos brancos e esguios que deveriam salvar- me. Mas, de repente, uma náusea mortal invadiu-me a alma, e senti que cada fibra de meu corpo estremecia como se houvesse tocado os fios de uma bateria galvânica. As formas angélicas se converteram em inexpressivos espectros com cabeças de chama, e vi que não poderia esperar delas auxílio algum. Então, como magnífica nota musical, insinuou-se em minha imaginação a idéia do doce repouso que me aguardava no túmulo. Chegou suave, furtivamente - e penso que precisei de muito tempo para apreciá-la devidamente. Mas, no instante preciso em que meu espírito começava a sentir e alimentar essa idéia, as figuras dos juízes se dissiparam, como por arte de mágica, ante os meus olhos. As grandes velas reduziram-se a nada; suas chamas se apagaram por completo e sobreveio o negror das trevas; todas as sensações pareceram desaparecer como numa queda louca da alma até o Hades. E o universo transformou-se em noite, silêncio, imobilidade.
Eu desmaiara; mas, não obstante, não posso dizer que houvesse perdido de todo a consciência. Não procurarei definir, nem descrever sequer, o que dela me restava. Nem tudo, porém, estava perdido. Em meio do mais profundo sono... não! Em meio do delírio... não! Em meio do desfalecimento. . . não! Em meio da morte... não! Nem mesmo na morte tudo está perdido. Do contrário, não haveria imortalidade para o homem. Quando despertamos do mais profundo sono, desfazemos as teias de aranha de algum sonho. E, não obstante, um segundo depois não nos lembramos de haver sonhado, por mais delicada que tenha sido a teia. Na volta a vida, depois do desmaio, há duas fases: o sentimento da existência moral ou espiritual e o da existência física. Parece provável que, se ao chegar à segunda fase tivéssemos de evocar as impressões da primeira, tornaríamos a encontrar todas as lembranças eloqüentes do abismo do outro mundo. E qual é esse abismo? Como, ao menos, poderemos distinguir suas sombras das do túmulo? Mas, se as impressões do que chamamos primeira fase não nos acodem de novo ao chamado da vontade, acaso não nos aparecem depois de longo intervalo, sem
ser solicitadas, enquanto, maravilhados, perguntamos a nós mesmos de onde provêm? Quem nunca perdeu os sentidos não descobrirá jamais estranhos palácios e rostos singularmente familiares entre as chamas ardentes; não contemplará, flutuante no ar, as melancólicas visões que muitos talvez jamais contemplem; não meditará nunca sobre o perfume de alguma flor desconhecida, nem mergulhará no mistério de alguma melodia que jamais lhe chamou antes a atenção.
Em meio de meus freqüentes e profundos esforços para recordar, em meio de minha luta tenaz para apreender algum vestígio desse estado de vácuo aparente em que minha alma mergulhara, houve breves, brevíssimos instantes em que julguei triunfar, momentos fugidios em que cheguei a reunir lembranças que, em ocasiões posteriores, meu raciocínio, lúcido, me afirmou não poderem referir-se senão a esse estado em que a consciência parece aniquilada. Essas sombras de lembranças apresentavam, indistintamente, grandes figuras que me carregavam, transportando-me, silenciosamente, para baixo... para baixo... ainda mais para baixo... até que uma vertigem horrível me oprimia, ante a idéia de que não tinha mais fim tal descida. Também me lembro de que despertavam um vago horror no fundo de meu coração, devido precisamente à tranqüilidade sobrenatural desse mesmo coração. Depois, o sentimento de uma súbita imobilidade em tudo o que me cercava, como se aqueles que me carregavam (espantosa comitiva!) ultrapassassem, em sua descida, os limites do ilimitado, e fizessem uma pausa, vencidos pelo cansaço de seu esforço. Depois disso, lembro-me de uma sensação de monotonia e de umidade. Depois, tudo é loucura - a loucura da memória que se agita entre coisas proibidas.
Súbito, voltam à minha alma o movimento e o som - o movimento tumultuoso do coração e, em meus ouvidos, o som de suas batidas. Em seguida, uma pausa, em que tudo é vazio. Depois, de novo, o som, o movimento e o tato, como uma sensação vibrante que penetra em meu ser. Logo após, a simples consciência da minha existência, sem pensamento - estado que durou muito tempo. Depois, de maneira extremamente súbita, o pensamento, e um trêmulo terror - o esforço enorme para compreender o meu verdadeiro estado. Logo após, vivo desejo de mergulhar na insensibilidade. Depois, um brusco renascer da alma e um esforço bem sucedido para mover-me. E, então, a lembrança completa do que acontecera, dos juízes, das tapeçarias negras, da sentença, da fraqueza, do desmaio. Esquecimento completo de tudo o que acontecera - e que somente mais tarde, graças aos mais vivos esforços, consegui recordar vagamente.
Até então, não abrira ainda os olhos. Sentia que me achava deitado de costas, sem que estivesse atado. Estendi a mão e ela caiu pesadamente sobre alguma coisa úmida e dura. Deixei que ela lá ficasse durante muitos minutos, enquanto me esforçava por imaginar onde é que eu estava e o que é que poderia ter acontecido comigo. Desejava, mas não me atrevia a fazer uso dos olhos. Receava o primeiro olhar sobre as coisas que me cercavam. Não que me aterrorizasse contemplar coisas terríveis, mas tinha medo de que não houvesse nada para ver. Por fim, experimentando horrível desespero em meu coração, abri rapidamente os olhos. Meus piores pensamentos foram, então, confirmados. Envolviam-me as trevas da noite eterna. Esforcei-me por respirar. A intensidade da escuridão parecia oprimir-me, asfixiar-me. O ar era intoleravelmente pesado. Continuei ainda imóvel, e esforcei-me por fazer uso da razão. Lembrei-me dos procedimentos inquisitoriais e, partindo daí, procurei deduzir qual a minha situação real. A sentença fora proferida, e parecia-me que, desde então, transcorrera longo espaço de tempo. Não obstante, não imaginei um momento sequer que estivesse realmente morto. Tal suposição, pese o que lemos nos livros de ficção, é absolutamente incompatível com a existência real. Mas onde me encontrava e qual era o meu estado? Sabia que os condenados à morte pereciam, com freqüência, nos autos-de-fé - e um desses autos
havia-se realizado na noite do dia em que eu fora julgado. Teria eu permanecido em meu calabouço, à espera do sacrifício seguinte, que não se realizaria senão dentro de muitos meses? Vi, imediatamente, que isso não poderia ser. As vítimas eram exigidas sem cessar. Além disso, meu calabouço, bem como as celas de todos os condenados, em Toledo, tinha piso de pedra e a luz não era inteiramente excluída.
De repente, uma idéia terrível acelerou violentamente o sangue em meu coração e, durante breve espaço, mergulhei de novo na insensibilidade. Ao recobrar os sentidos, pus-me logo de pé, a tremer convulsivamente. Alucinado, estendi os braços para o alto e em torno de mim, em todas as direções. Não senti nada. Não obstante, receava dar um passo, com medo de ver os meus movimentos impedidos pelos muros de um túmulo. O suor brotava-me de todos os poros e grossas gotas frias me salpicavam a testa. A angústia da incerteza tornou-se, por fim, insuportável e avancei com cautela, os braços estendidos, os olhos a saltar-me das órbitas, na esperança de descobrir algum tênue raio de luz. Dei muitos passos, mas, não obstante, tudo era treva e vácuo. Sentia a respiração mais livre. Parecia-me evidente que o meu destino não era, afinal de contas, o mais espantoso de todos.
Continuei a avançar cautelosamente e, enquanto isso, me vieram à memória mil vagos rumores dos horrores de Toledo. Sobre calabouços, contavam-se coisas estranhas - fábulas, como eu sempre as considerara; coisas, contudo, estranhas, e demasiado horríveis para que a gente as narrasse a não ser num sussurro. Acaso fora eu ali deixado para morrer de fome naquele subterrâneo mundo de trevas, ou quem sabe um destino ainda mais terrível me aguardava? Conhecia demasiado bem o caráter de meus juízes para duvidar de que o resultado de tudo aquilo seria a morte, e uma morte mais amarga do que a habitual. Como seria ela e a hora de sua execução eram os únicos pensa- mentos que me ocupavam o espírito, causando-me angústia.
Minhas mãos estendidas encontraram, afinal, um obstáculo sólido. Era uma parede que parecia de pedra, muito lisa, úmida e fria. Segui junto a ela, caminhando com a cautelosa desconfiança que certas narrações antigas me haviam inspirado. Porém, essa operação não me proporcionava meio algum de averiguar as dimensões de meu calabouço; podia dar a volta e tornar ao ponto de partida sem perceber exatamente o lugar em que me encontrava, pois a parede me parecia perfeitamente uniforme. Por isso, procurei um canivete que tinha num dos bolsos quando fui levado ao tribunal, mas havia desaparecido. Minhas roupas tinham sido substituídas por uma vestimenta de sarja grosseira. A fim de identificar o ponto de partida, pensara em enfiar a lâmina em alguma minúscula fenda da parede. A dificuldade, apesar de tudo, não era insuperável, embora, em meio à desordem de meus pensamentos, me parecesse, a princípio, uma coisa insuperável. Rasguei uma tira da barra de minha roupa e coloquei-a ao comprido no chão. formando um ângulo reto com a parede. Percorrendo as palpadelas o caminho em torno de meu calabouço, ao terminar o circuito teria de encontrar o pedaço de fazenda. Foi, pelo menos, o que pensei; mas não levara em conta as dimensões do calabouço, nem a minha fraqueza. O chão era úmido e escorregadio. Cambaleante, dei alguns passos, quando, de repente, tropecei e caí. Meu grande cansaço fez com que permanecesse caído e, naquela posição, o sono não tardou em apoderar-se de mim.

Ao acordar e estender o braço, encontrei ao meu lado um pedaço de pão e um púcaro com água. Estava demasiado exausto para pensar em tais circunstâncias, e bebi e comi avidamente. Pouco depois, reiniciei minha viagem em torno do calabouço e, com muito esforço, consegui chegar ao pedaço de sarja. Até o momento em que caí, já havia contado cinqüenta e dois passos e, ao recomeçar a andar até chegar ao pedaço de pano, mais quarenta e oito. Portanto, havia ao todo cem passos e, supondo que dois deles
fossem uma jarda, calculei em cerca de cinqüenta jardas a circunferência de meu calabouço. No entanto, deparara com numerosos ângulos na parede, e isso me impedia de conjeturar qual a forma da caverna, pois não havia dúvida alguma de que se tratava de uma caverna.
Tais pesquisas não tinham objetivo algum e, certamente, eu não alimentava nenhuma esperança; mas uma vaga curiosidade me levava a continuá-las. Deixando a parede, resolvi atravessar a área de minha prisão. A princípio, procedi com extrema cautela, pois o chão, embora aparentemente revestido de material sólido, era traiçoeiro, devido ao limo. Por fim, ganhei coragem e não hesitei em pisar com firmeza, procurando seguir uma linha tão reta quanto possível. Avancei, dessa maneira, uns dez ou doze passos, quando o que restava da barra de minhas vestes se emaranhou em minhas pernas. Pisei num pedaço da fazenda e caí violentamente de bruços.
Na confusão causada pela minha queda, não reparei imediatamente numa circunstância um tanto surpreendente, a qual, no entanto, decorridos alguns instantes, enquanto me encontrava ainda estirado, me chamou a atenção. Era que o meu queixo estava apoiado sobre o chão da prisão, mas os meus lábios e a parte superior de minha cabeça, embora me parecessem colocados numa posição menos elevada do que o queixo, não tocavam em nada. Por outro lado, minha testa parecia banhada por um vapor pegajoso, e um cheiro característico de cogumelos em decomposição me chegou às narinas. Estendi o braço para a frente e tive um estremecimento, ao verificar que caíra bem junto às bordas de um poço circular cuja circunferência, naturalmente, não me era possível verificar no momento. Apalpando os tijolos, pouco abaixo da boca do poço, consegui deslocar um pequeno fragmento e deixei-o cair no abismo. Durante alguns segundos, fiquei atento aos seus ruídos, enquanto, na queda, batia de encontro às paredes do poço; por fim, ouvi um mergulho surdo na água, seguido de ecos fortes. No mesmo momento, ouvi um som que se assemelhava a um abrir e fechar de porta. acima de minha cabeça, enquanto um débil raio de luz irrompeu subitamente através da escuridão e se extinguiu de pronto. Percebi claramente a armadilha que me estava preparada, e congratulei-me comigo mesmo pelo oportuno acidente que me fizera escapar de tal destino. Outro passo antes de minha queda, e o mundo jamais me veria de novo. E a morte de que escapara por pouco era daquelas que eu sempre considerara como fabulosas e frívolas nas narrações que diziam respeito à Inquisição. Para as vítimas de sua tirania, havia a escolha entre a morte com as suas angústias físicas imediatas e a morte com os seus espantosos
horrores morais. Eu estava destinado a esta última. Devido aos longos sofrimentos, meus nervos estavam à flor da pele, a ponto de tremer ao som de minha própria voz, de modo que era, sob todos os aspectos, uma vítima adequada para a espécie de tortura que me aguardava.
Tremendo dos pés à cabeça, voltei, às apalpadelas, até a parede, resolvido antes a ali perecer do que a arrostar os terrores dos poços, que a minha imaginação agora pintava. em vários lugares do calabouço. Em outras condições de espírito, poderia ter tido a coragem de acabar de vez com a minha miséria, mergulhando num daqueles poços; mas eu era, então, o maior dos covardes. Tampouco podia esquecer o que lera a respeito daqueles poços: que a súbita extinção da vida não fazia parte dos planos de meus algozes.
A agitação em que se debatia o meu espírito fez-me permanecer acordado durante longas horas; contudo, acabei por adormecer de novo. Ao acordar, encontrei ao meu lado, como antes, um pão e um púcaro com água. Consumia-me uma sede abrasadora, e esvaziei o recipiente de um gole só. A água devia conter alguma droga, pois, mal acabara de beber, tornei-me irresistivelmente sonolento. Invadiu-me profundo sono - um sono como o da morte. Quanto tempo aquilo durou, certamente, não posso dizer; mas,
quando tornei a abrir os olhos, os objetos em torno eram visíveis. Um forte clarão cor de enxofre, cuja origem não pude a princípio determinar, permitia-me ver a extensão e o aspecto da prisão.
Quanto ao seu tamanho, enganara-me completamente. A extensão das paredes, em toda a sua. volta, não passava. de vinte e cinco jardas. Durante alguns minutos, tal fato me causou um mundo de preocupações inúteis. Inúteis, de fato, pois o que poderia ser menos importante, nas circunstâncias em que me encontrava, do que as simples dimensões de minha cela? Mas minha alma se interessava vivamente por coisas insignificantes, e eu me empenhava em explicar a mim mesmo o erro cometido em meus cálculos. Por fim, a verdade fez-se-me subitamente clara. Em minha primeira tentativa de exploração, eu contara cinqüenta e dois passos até o momento em que caí; devia estar, então, a um ou dois passos do pedaço de sarja; na verdade, havia quase completado toda a volta do calabouço. Nessa altura, adormeci e, ao despertar, devo ter voltado sobre meus próprios passos - supondo, assim, que o circuito do calabouço era quase o dobro do que realmente era. A confusão de espírito em que me encontrava impediu-me de notar que começara a volta seguindo a parede pela esquerda, e que a terminara seguindo-a para a direita.

Enganara-me, também, quanto ao formato da cela. Ao seguir o meu caminho, deparara com muitos ângulos, o que me deu idéia de grande irregularidade, tão poderoso é o efeito da escuridão total sobre alguém que desperta do sono ou de um estado de torpor! Os ângulos não passavam de umas poucas reentrâncias, ou nichos, situadas em intervalos iguais. A forma geral da prisão era retangular. O que me parecera alvenaria, parecia-me, agora, ferro, ou algum outro metal, disposto em enormes pranchas, cujas suturas ou juntas produziam as depressões. Toda a superfície daquela construção metálica era revestida grosseiramente de vários emblemas horrorosos e repulsivos nascidos das superstições sepulcrais dos monges. Figuras de demônios de aspectos ameaçadores, com formas de esqueleto, bem como outras imagens ainda mais terríveis, enchiam e desfiguravam as paredes. Observei que os contornos de tais monstruosidades eram bastante nítidos, mas que as cores pareciam desbotadas e apagadas, como por efeito da umidade. Notei, então, que o piso era de pedra. Ao centro, abria-se o poço circular de cujas fauces eu escapara - mas era o único existente no calabouço.
Vi tudo isso confusamente e com muito esforço, pois minha condição física mudara bastante durante o sono. Estava agora estendido de costas numa espécie de andaime de madeira muito baixo, ao qual me achava fortemente atado por uma longa tira de couro. Esta dava muitas voltas em torno de meus membros e de meu corpo, deixando apenas livre a minha cabeça e o meu braço esquerdo, de modo a permitir que eu, com muito esforço, me servisse do aumento que se achava sobre um prato de barro, colocado no chão. Vi, horrorizado, que o púcaro havia sido retirado, pois uma sede intolerável me consumia. Pareceu-me que a intenção de meus verdugos era exasperar essa sede, já que o alimento que o prato continha consistia de carne muita salgada.
Levantei os olhos e examinei o teto de minha prisão. Tinha de nove a doze metros de altura e o material de sua construção assemelhava-se ao das paredes laterais. Chamou- me a atenção uma de suas figuras, bastante singular. Era a figura do Tempo, tal como é comumente representado, salvo que, em lugar da foice, segurava algo que me pareceu ser, ao primeiro olhar, um imenso pêndulo, como esses que vemos nos relógios antigos. Havia alguma coisa, porém, na aparência desse objeto, que me fez olhá-lo com mais atenção.
Enquanto a observava diretamente, olhando para cima, pois se achava colocada exatamente sobre minha cabeça, tive a impressão de que o pêndulo se movia. Um instante depois, vi que minha impressão se confirmava. Seu oscilar era curto e, por
conseguinte, lento. Observei-o, durante alguns minutos, com certo receio, mas, principalmente, com espanto. Cansado, por fim, de observar o seu monótono movimento, voltei o olhar para outros objetos existentes na cela.
Um ligeiro ruído atraiu-me a atenção e, olhando para o chão, vi que enormes ratos o atravessavam. Tinham saído do poço, que ficava a direita. bem diante de meus olhos. Enquanto os olhava, saíam do poço em grande número, apressadamente, com olhos vorazes, atraídos pelo cheiro da carne. Foi preciso muito esforço e atenção de minha parte para afugentá-los.

Talvez houvesse transcorrido meia hora, ou mesmo uma hora - pois não me era possível perceber bem a passagem do tempo -, quando levantei de novo os olhos para o teto. O que então vi me deixou atônito, perplexo. O oscilar do pêndulo havia aumentado muito, chegando quase a uma jarda. Como conseqüência natural, sua velocidade era também muito maior. Mas o que me perturbou, principal-mente, foi a idéia de que havia, imperceptivelmente, descido. Observei, então - tomado de um horror que bem se pode imaginar -, que a sua extremidade inferior era formada de uma lua crescente feita de aço brilhante, de cerca de um pé de comprimento de ponta a ponta. As pontas estavam voltadas pura cima e o fio inferior era, evidentemente, afiado como uma navalha. Também como uma navalha, parecia pesada e maciça, alargando-se, desde o fio, numa estrutura larga e sólida. Presa a cela havia um grosso cano de cobre, e tudo isso assobiava, ao mover-se no ar.
Já não me era possível alimentar qualquer dúvida quanto à sorte que me reservara o terrível engenho monacal de torturas. Os agentes da Inquisição tinham conhecimento de que eu descobrira o poço - o poço cujos horrores haviam sido destinados a um herege tão temerário quanto eu -, o poço, imagem do inferno, considerado como a Última Tule de todos os seus castigos. Um simples acaso me impedira de cair no poço, e eu sabia que a surpresa, ou uma armadilha que levasse ao suplício constituíam uma parte importante de tudo o que havia de grotesco naqueles calabouços de morte. Ao que parecia, tendo fracassado a minha queda no poço, não fazia parte do plano demoníaco o meu lançamento no abismo e, assim, não havendo outra alternativa, aguardava-me uma forma mais suave de destruição. Mais suave! Em minha angústia, esbocei um sorriso ao pensar no emprego dessas palavras.
Para que falar das longas, longas horas de horror mais do que mortal, durante as quais contei as rápidas oscilações do aço? Polegada a polegada, linha a linha, descia aos poucos, de um modo só perceptível a intervalos que para mim pareciam séculos. E cada vez descia mais, descia mais!... Passaram-se dias, talvez muitos dias, antes que chegasse a oscilar tão perto de mim a ponto de me ser possível sentir o ar acre que deslocava. Penetrava-me as narinas o cheiro do aço afiado. Rezei - cansando o céu com as minhas preces - para que a sua descida fosse mais rápida. Tomado de frenética loucura, esforcei-me para erguer o corpo e ir ao encontro daquela espantosa e oscilante cimitarra. Depois, de repente, apoderou-se de mim uma grande calma e permaneci sorrindo diante daquela morte cintilante, como uma criança diante de um brinquedo raro.
Seguiu-se outro intervalo de completa insensibilidade -um intervalo muito curto, pois, ao voltar de novo à vida, não me pareceu que o pêndulo houvesse descido de maneira perceptível. Mas é possível que haja decorrido muito tempo; sabia que existiam seres infernais que tomavam nota de meus desfalecimentos e podiam deter, à vontade, o movimento do pêndulo. Ao voltar a mim, senti um mal-estar é uma fraqueza indescritíveis, como se estivesse a morrer de inanição. Mesmo entre todas as angústias por que estava passando, a natureza humana ansiava por alimento. Com penoso esforço, estendi o braço esquerdo tanto quanto me permitiam as ataduras e apanhei um resto de comida que conseguira evitar que os ratos comessem. Ao levar um bocado à boca,
passou-me pelo espírito um vago pensamento de alegria... de esperança. Não obstante, .que é que tinha com a ver com a esperança? Era, como digo, um pensamento vago - desses que ocorrem a todos com freqüência, mas que não se completam. Mas senti que era de alegria, de esperança. Como senti, também, que se extinguira antes de formar-se. Esforcei-me em vão por completá-lo... por reconquistá-lo. Meus longos sofrimentos haviam quase aniquilado todas as Faculdades de meu espírito. Eu era um imbecil, um idiota.
A oscilação do pêndulo se processava num plano que tornava um ângulo reto com o meu corpo. Vi que a lâmina fora colocada de modo a atravessar-me a região do coração. Rasgaria a minha roupa, voltaria e repetiria a operação... de novo, de novo. Apesar da grande extensão do espaço percorrido - uns trinta pés, mais ou menos - e da sibilante energia de sua oscilação, suficiente para partir ao meio aquelas próprias paredes de ferro, tudo o que podia fazer, durante vários minutos, seria apenas rasgar as minhas roupas. E, ao pensar nisso, detive-me. Não ousava ir além de tal reflexão. Insisti sobre ela com toda atenção, como se com essa insistência pudesse parar ali a descida da lâmina. Comecei a pensar no som que produziria ao passar pelas minhas roupas, bem como na estranha e arrepiante sensação que o rasgar de uma fazenda produz sobre os nervos. Pensei em todas essas coisas fazendo os dentes rangerem, de tão contraídos. Descia... cada vez descia mais a lâmina. Sentia um prazer frenético ao comparar sua velocidade de cima a baixo com a sua velocidade lateral. Para a direita... para a esquerda... num amplo oscilar... com o grito agudo de uma alma penada; para o meu coração, com o passo furtivo de um tigre! Eu ora ria, ora uivava, quando esta ou aquela idéia se tornava predominante.
Sempre para baixo... certa e inevitavelmente! Movia-se, agora, a três polegadas do meu peito! Eu lutava violentamente, furiosamente. para livrar o braço esquerdo. Este estava livre apenas desde o cotovelo até a mão. Podia mover a mão, com grande esforço, apenas desde o prato, que haviam colocado ao meu lado, até a boca. Nada mais. Se houvesse podido romper as ligaduras acima do cotovelo, teria apanhado o pêndulo e tentado detê-lo. Mas isso seria o mesmo que tentar deter uma avalancha!
Sempre mais baixo, incessantemente, inevitavelmente mais baixo! Arquejava e me debatia a cada vibração. Encolhia-me convulsivamente a cada oscilação. Meus olhos seguiam as subidas e descidas da lâmina com a ansiedade do mais completo desespero; fechavam-se espasmodicamente a cada descida, como se a morte houvesse sido um alívio... oh, que alívio indizível! Não obstante, todos os meus nervos tremiam. à idéia de que bastaria que a máquina descesse um pouco mais para que aquele machado afiado e reluzente se precipitasse sobre o meu peito. Era a esperança que fazia com que meus nervos estremecessem, com que todo o meu corpo se encolhesse. Era a esperança - a esperança que triunfa mesmo sobre o suplício -, a que sussurrava aos ouvidos dos condenados à morte, mesmo nos calabouços da Inquisição.

Vi que mais umas dez ou doze oscilações poriam o aço em contato imediato com as minhas roupas e, com essa observação, invadiu-me o espírito toda a calma condensada e viva do desespero. Pela primeira vez durante muitas horas - ou, talvez dias - consegui pensar. Ocorreu-me, então, que a tira ou correia que me envolvia o corpo era inteiriça. Não estava amarrada por meio de cordas isoladas. O primeiro golpe da lâmina em forma. de meia lua sobre qualquer lugar da correia a desataria, de modo a permitir que minha mão a desenrolasse de meu corpo. Mas como era terrível, nesse caso, a sua proximidade. O resultado do mais leve movimento, de minha parte, seria mortal! Por outro lado, acaso os sequazes do verdugo não teriam previsto e impedido tal possibilidade? E seria provável que a correia que me atava atravessasse o meu peito
justamente no lugar em. que o pêndulo passaria? Temendo ver frustrada essa minha fraca e, ao que parecia, última esperança, levantei a cabeça o bastante par ver bem o meu peito. A correia. envolvia-me os membros e o corpo fortemente em todas as direções, menos no lugar em que deveria passar a lâmina assassina.
Mal deixei cair a cabeça em sua posição anterior, quando senti brilhar em meu espírito algo que só poderia descrever aproximadamente, dizendo que era como que a metade não formada da idéia de liberdade a que aludi anteriormente, e da qual apenas uma parte flutuou vaga-mente em meu espírito quando levei o alimento aos meus lábios febris. Agora, todo o pensamento estava ali presente - débil, quase insensato, quase indefinido -, mas, de qualquer maneira, completo. Procurei imediatamente, com toda a energia nervosa do desespero, pô-lo em execução.
Havia várias horas, um número enorme de ratos se agitava junto do catre em que me achava estendido. Eram temerários, ousados, vorazes; fitavam sobre mim os olhos vermelhos, como se esperassem apenas minha imobilidade para fazer-me sua presa. "A que espécie de alimento", pensei, "estão eles habituados no poço?"
Haviam devorado, apesar de todos os meus esforços para o impedir, quase tudo o alimento que se encontrava no prato, salvo uma pequena parte. Minha mão se acostumara a um movimento oscilatório sobre o prato e, no fim, a uniformidade inconsciente de tal movimento deixou de produzir efeito. Em sua veracidade, cravavam freqüentemente em meus dedos os dentes agudos. Com o resto da carne oleosa e picante que ainda sobrava. esfreguei fortemente, até o ponto em que podia alcançá-la, a correia com que me haviam atado. Depois, erguendo a mão do chão, permaneci imóvel, quase sem respirar.
A princípio, os vorazes animais ficaram surpresos e aterrorizados com a mudança verificada - com a cessação de qualquer movimento. Mas isso apenas durante um momento. Não fora em vão que eu contara com a sua voracidade. Vendo que eu permanecia imóvel, dois ou três dos mais ousados soltaram sobre o catre e puseram-se a cheirar a correia. Dir-se-ia que isso foi o sinal para a investida geral. Vindos da parede, arremeteram em novos bandos. Agarraram-se ao estrado, galgaram-no e pularam. as centenas sobre o meu corpo. O movimento rítmico do pêndulo não os perturbava de maneira alguma. Evitando seus golpes, atiraram-se à correia besuntada. Apertavam-se, amontoavam-se sobre mim. Contorciam-se sobre meu pescoço; seus focinhos, frios, procuravam meus lábios. Sentia-me quase sufocado sob o seu peso. Um asco espantoso, para o qual não existe nome, enchia-me o peito e gelava-me, com pegajosa umidade, o coração. Mais um minuto, e percebia que a operação estaria terminada. Sentia claramente que a correia afrouxava. Sabia que, em mais de um lugar, já devia estar completamente partida. Com uma determinação sobre-humana continuei imóvel.
Não errei em meus cálculos; todos esses sofrimentos não foram em vão. Senti, afinal, que estava livre. A correia pendia, em pedaços, de meu corpo. Mas o movimento do pêndulo já se realizava sobre o meu peito. Tanto a sarja da minha roupa, como a camisa que vestia já haviam sido cortadas. O pêndulo oscilou ainda por duas vezes, e uma dor aguda me penetrou todos os nervos. Mas chegara o momento da salvação. A um gesto de minha mão, meus libertadores fugiram tumultuosamente. Com um movimento decidido, mas cauteloso, deslizei encolhido, lentamente, para o lado, livrando-me das correias e da lâmina da cimitarra. Pelo menos naquele momento, estava livre.
Livre! E nas garras da Inquisição! Mal havia escapado daquele meu leito de horror e dado uns passos pelo piso de pedra da prisão, quando cessou o movimento da má-quina infernal e eu a vi subir, como que atraída por alguma força invisível, para o teto. Aquela foi uma lição que guardei desesperadamente no coração. Não havia dúvida de que os meus menores gestos eram observados. Livre! Escapara por pouco à morte numa
determinada forma de agonia, apenas para ser entregue a uma outra, pior do que a morte. Com este pensamento, volvi os olhos, nervosamente, para as paredes de ferro que me cercavam. Algo estranho - uma mudança que, a princípio, não pude apreciar claramente - havia ocorrido, evidentemente, em minha cela. Durante muitos minutos de trêmula abstração, perdi-me em conjeturas vãs e incoerentes. Pela primeira vez percebi a origem da luz sulfurosa que alumiava a cela. Procedia de uma fenda, de cerca de meia polegada de largura, que se estendia em torno do calabouço, junto a base das paredes, que pareciam, assim, e, na verdade estavam, completamente separadas do solo. Procurei, inutilmente, olhar através dessa abertura.
Ao levantar-me, depois dessa tentativa, o mistério da modificação verificada tornou-se- me, subitamente, claro. Já observara que, embora os contornos dos desenhos das paredes fossem bastante nítidos, suas cores, não obstante, pareciam apagadas e indefinidas. Essas cores, agora, haviam adquirido, e estavam ainda adquirindo, um brilho intenso e surpreendente, que dava às imagens fantásticas e diabólicas um aspecto que teria arrepiado nervos mais firmes do que os meus. Olhos demoníacos,de uma vivacidade sinistra e feroz, cravavam-se em mim de todos os lados, de lugares onde antes nenhum deles era visível, com um brilho ameaçador que eu, em vão, procurei considerar como irreal.
Irreal! Bastava-me respirar para que me chegasse às narinas o vapor de ferros em brasa! Um cheiro sufocante invadia a prisão! Um brilho cada vez mais profundo se fixava nos olhos cravados em minha agonia! Um vermelho mais vivo estendia-se sobre aquelas pinturas horrorosas e sangrentas. Eu arquejava. Respirava com dificuldade. Não poderia haver dúvida quanto à intenção de meus verdugos, os mais implacáveis, os mais demoníacos de todos os homens! Afastei-me do metal incandescente,colocando-me ao centro da cela. Ante a perspectiva da morte pelo fogo,que me aguardava, a idéia da frescura do poço chegou à minha alma como um bálsamo. Precipitei-me para as suas bordas mortais. Lancei o olhar para o fundo. O resplendor da abóbada iluminava as suas cavidades mais profundas. Não obstante, durante um minuto de desvario, meu espírito se recusou a compreender o significado daquilo que eu via. Por fim, aquilo penetrou, à força, em minha alma, gravando-se a fogo em minha trêmula razão. Oh, indescritível! Oh, horror dos horrores! Com um grito, afastei-me do poço e afundei o rosto nas mãos, a soluçar amargamente.
O calor aumentava rapidamente e, mais uma vez, olhei para cima, sentindo um calafrio. Operara-se uma grande mudança na cela - e, dessa vez, a mudança era, evidentemente, de forma. Como acontecera antes, procurei inutilmente apreciar ou compreender o que ocorria. Mas não me deixaram muito tempo em dúvida. A vingança da Inquisição se exacerbara por eu a haver frustrado por duas vezes - e não mais permitiria que zombasse dela! A cela, antes, era quadrada. Notava, agora, que dois de seus ângulos de ferro eram agudos, sendo os dois outros, por conseguinte, obtusos. Com um ruído surdo, gemente, aumentava rapidamente o terrível contraste. Num instante, a cela adquirira a forma de um losango. Mas a modificação não parou aí - nem eu esperava ou desejava que parasse. Poderia haver apertado as paredes incandescentes de encontro ao peito, como se fossem uma vestimenta de eterna paz. "A morte", disse de mim para comigo. "Qualquer morte, menos a do poço!" Insensato! Como não pude compreender que era para o poço que o ferro em brasa me conduzia? Resistiria eu ao seu calor? E, mesmo que resistisse, suportaria sua pressão? E cada vez o losango se aproximava mais, com uma rapidez que não me deixava tempo para pensar. Seu centro e, naturalmente, a sua parte mais larga chegaram até bem junto do abismo aberto. Recuei, mas as paredes, que avançavam, me empurravam, irresistivelmente, para a frente. Por fim, já não existia, para o meu corpo chamuscado e contorcido, senão um exíguo lugar para firmar os pés,

no solo da prisão. Deixei de lutar, mas a angústia de minha alma se extravasou em forte e prolongado grito de desespero. Senti que vacilava à boca do poço, e desviei os olhos...
Mas ouvi, então, um ruído confuso de vozes humanas! O som vibrante de muitas trombetas! E um rugido poderoso, como de mil trovões,atroou os ares! As paredes de fogo recuaram precipitadamente! Um braço estendida agarrou o meu, quando eu, já quase desfalecido, caía nu abismo. Era o braço do General Lassalle. O exército francês entrara em Toledo. A Inquisição estava nas mãos de seus inimigos. 

Edgar Allan Poe nasceu em Boston em 19 de Janeiro de 1809 e morreu Baltimore em 7 de Outubro de 1849.
Foi um autor, poeta, editor e crítico literário americano e fez parte do movimento romântico americano. 
Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, sendo um dos primeiros escritores americanos inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por contribuição ao emergente gênero de ficção científica.
Ele foi o primeiro escritor americano conhecido a tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difícil.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Fogo Morto



Fogo Morto é uma das mais importantes obras da 2ª fase do modernisno brasileiro. Do autor José Lins do Rego, o livro ilustra com uma linguagem muito forte e poética a decadência dos engenhos de cana-de-açúcar.

Foi publicado em 1943, constitui uma obra de literatura regionalista, de caráter neo-realista.
O romance é narrado em terceira pessoa, e é dividido em três partes. Cada parte conta com seu próprio protagonista, como se fossem três histórias distintas.

Analisado pelo professor universitário, crítico e historiador de literatura brasileira, membro da Academia Brasileira de Letras, Alfredo Bosi, conforme atesta Bosi como: "expressões maduras dos conflitos humanos de um Nordeste decadente".

Os personagens principais são:

Mestre José Amaro
Coronel Lula de Holanda
Capitão Vitorino (que é considerado o personagem mais bem construído da literatura brasileira)

Cada um dos personagens principais representa, na verdade, uma classe social da população nordestina.
Estes personagens estão envolvidos no cenário da miséria, das doenças, e por um um tipo de política coronelista e retrógrada.
A Narrativa é quase inteiramente ambientada no Engenho Santa Fé.

O termo que dá título ao romance se dá pois o coronel Lula de Holanda, um orgulhoso dono de um  engenho que recebera de herança e que não o consegue fazer prosperar, gasta todo o dinheiro que lhe restou, mas leva o engenho ''a fogo morto'' (propriedade que não produz mais).



José Lins do Rego Cavalcanti nasceu em Pilar, na Paraíba em 3 de junho de 1901 e morreu no Rio de Janeiro em 12 de setembro de 1957, e foi um escritor brasileiro que, ao lado de Graciliano Ramos, Érico Veríssimo e Jorge Amado, figura como um dos romancistas regionalistas mais prestigiosos da literatura nacional. Segundo Otto Maria Carpeaux, José Lins era "o último dos contadores de histórias." Seu romance de estreia, Menino de Engenho (1932), foi publicado com dificuldade, todavia logo foi elogiado pela crítica.

O estilo de José Lins é despojado e sem artifícios literários. Instintivo e espontâneo,  ele mesmo chegava a apontar que suas fontes de arte narrativa estavam nas ruas: "Quando imagino nos meus romances tomo sempre como modo de orientação o dizer das coisas como elas surgem na memória, com os jeitos e as maneiras simples dos cegos poetas."

Apesar desta simplicidade linguística com que escreve, ele descreve com muita técnica os estados psicológicos de seus personagens, seguindo a linha inaugurada por Proust. 

A obra de José Lins caracteriza-se majoritariamente pelo extraordinário poder de descrição. Reproduz no texto a linguagem do simples, da bagaceira, do nordestino, tornando-o no mais legítimo representante da literatura regional.

A segunda fase modernista foi rica na produção poética e, também, na prosa. O universo temático amplia-se com a preocupação dos artistas com o destino do Homem e no estar-no-mundo e ao contrário da sua antecessora, foi construtiva.

A prosa, por sua vez, alargava a sua área de interesse ao incluir preocupações novas de ordem política, social, econômica, humana e espiritual.

A consciência crítica estava presente, e mais do que tudo, os escritores da segunda geração consolidaram em suas obras questões sociais bastante graves: a desigualdade social, a vida cruel dos retirantes, os resquícios de escravidão, o coronelismo, apoiado na posse das terras - todos problemas sociopolíticos que se sobreporiam ao lado pitoresco das várias regiões retratadas.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

O universo literário africano de língua portuguesa.

Por mais que a África careça de literatura escrita, existe um vastíssimo e rico universo de tradição oral, que ainda hoje é pouco explorado pelo mundo.
Conseguimos obter uma visão crítica sobre questões como geografia, história, cultura, política e sociedade do continente africano, devido suas relações com suas respectivas metrópoles, a luta pela liberdade de por seu território expressas em seus poemas e obras.
Iremos então, analisar agora um poema de António Silva Graça, que nasceu em Moçambique em 1937 e foi para Lisboa aos dezoito anos ingressar na Faculdade de Medicina.


Nos anos sessenta participou, no movimento associativo. Concluída a licenciatura viu-se impossibilitado de seguir a carreira hospitalar ou universitária por razões políticas.

GRAÇA, António Silva. Invenção da sombra. Lisboa: Relógio D ́Água Editores, 1989. 60 p. Col. A.M.
INVENÇÃO NA SOMBRA
Como posso definir-te? A
 Uma luz lógica B
transforma o teu limiie A
numa fronteira inútil. C
Só uma ciência incerta  B
é capaz de descobrir-te. A
De morder o teu perfil. C
De possuir-te inteira. B
O rigor desta ciência B
enche-me de conceitos. D
De preconceitos cegos. D
Ao tocar-te, perco-te. A
Depois, invento-te na sombra. B

Este poema foi escrito em versos livres e sem rimas, com o uso de metáforas, hipérboles, e sinestesias... e fala da impossibilidade de se delimitar o que não se sabe ao certo que é; alguém ou algo, mas que é inegavelmente do interesse do eu-lírico.
Os trechos que denunciam isso são: 
‘’Como posso definir-te?’’ 
‘’Só uma ciência incerta é capaz de descobrir-te.’’ 
‘’Ao tocar-te, perco-te.
Depois, invento-te na sombra.’’
Não nos são claros os elementos da cultura africana de língua portuguesa no poema, contudo ao que tudo indica, o mesmo pode referir-se à liberdade, tema corriqueiro entre a tradição oral destes países afro-lusófonos.
A tradição oral africana em língua portuguesa também é amplamente difundida no Brasil, uma vez que aqui tivemos muitos negros vindos como escravos e que nos passaram isso.

Um dos artistas que nos recontam essas estórias e cultura é Dorival Caymmi (Salvador, 30 de abril de 1914Rio de Janeiro, 16 de agosto de 2008) que foi um cantor, compositor, violonista, pintor e ator brasileiro, que compunha inspirado pelos hábitos, costumes e as tradições do povo baiano, e tinha portanto, forte influência da cultura negra, o que ocorre com todo brasileiro que nasceu ou morou na Bahia.
Alguns títulos exprimem muito bem isso, como ‘’O Dengo que a Nega Tem, Rosa Morena’’, entre outros...
é dengo, é dengo, é dengo, meu bem 
É dengo que nega tem 
Tem dengo no remelexo, meu bem
Tem dengo no falar também

Quando se diz que no falar tem dengo
Tem dengo, tem dengo, tem dengo tem
Quando se diz que no andar tem dengo
Tem dengo, tem dengo, tem dengo tem
Quando se diz que no sorrir tem dengo
Tem dengo, tem dengo, tem dengo tem
Quando se diz que no sambar tem dengo
Tem dengo, tem dengo, tem dengo tem

É dengo, é dengo, é dengo, meu bem
É dengo que nega tem
Tem dengo no remelexo, meu bem
Tem dengo no falar também

Quando se diz que no bulir tem dengo
Tem dengo, tem dengo, tem dengo tem
Quando se diz que no cantar tem dengo
Tem dengo, tem dengo, tem dengo tem
Quando se diz que no olhar tem dengo
Tem dengo, tem dengo, tem dengo tem

É no mexido, é no descanso, é no balanço
É no jeitinho requebrado que essa nega tem
Que todo mundo fica enfeitiçado
E atrás do dengo dessa nega todo mundo vem
E atrás do dengo dessa nega todo mundo vem

A mãe, dona de casa, mestiça de portugueses e africanos, cantava no lar. Portanto nada melhor que ele para nos transmitir um pouco mais desta cultura extraordinária e pouco explorada e valorizada.

Com base no material estudado acima, montei uma sequência didática com ferramenta de efetivação da Lei nº 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

Assunto – Literatura Africana

Tempo necessário: Aproximadamente 4 aulas 
A literatura deve ser ensinada desde as séries iniciais, para que o aluno entenda os elementos socioculturais de cada país.
Material - Diferentes tipos de textos pertinentes à série,.
Escolher em qual aspecto da literatura (cultural, poética, prosa, informativa) o aluno focará a atenção.
Lousa, giz, papéis, canetas, etc...
O que importa é apresentar questões pertinentes nas situações didáticas, fazendo com que a turma reflita e avance.
Objetivos
Com esta atividade o aluno deve ser capaz de:
1 Construir um comportamento crítico em relação a seu próprio texto e ao dos outros; 
2 Desenvolver a capacidade de argumentação; 
3 Desenvolver o interesse em colaborar com a causa 
Organização e atividade da sala
Em pequenos grupos - duplas ou trios - para realização da atividade de escrita.
É pedido aos alunos para marcar as partes que julgarem mais importantes para a questão. 
Socialize para todos os grupos as diversas possibilidades apresentadas 
Avaliação
Durante o desenvolvimento da atividade, é possível avaliar como o aluno:
Utiliza seus conhecimentos de produção escrita, os conhecimentos que constrói a
respeito da literatura/leitura, especificamente.
 Usa seus conhecimentos diante do texto para analisá-lo a fim de atribuir 
significado a ele.
Como argumenta para defender o seu ponto de vista.
Como colabora com o grupo 
Aprofundamento do conteúdo

Seriam aplicados exercícios de fixação, como resenhas ou questionários.