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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Mostra Coletiva ''Esboço para uma coreografia'' na Central Galeria

Compareci ontem à abertura da mostra coletiva ''Esboço para uma coreografia'', na Central Galeria, que reúne artistas que abordam de diferentes ângulos e perspectivas, os gestos e as dinâmicas dos trabalhos do corpo. 


Ao questionar o significado dos gestos, remontam à uma exploração direcionada à importância da gestualidade do corpo, individual ou em grupo, nas relações interpessoais,  e seu poder de integração e expressão cultural, ou de exclusão e de segregação.


São abordados também seu uso como protagonista e todas as suas especificidades nos campos da educação, ou mesmo da religião. 


Os trabalhos ressaltam o poder evocativo do gesto, assim como a sua fragilidade, sua dissolução e sua perda de sentido diante das repetições ou da mudança de contextos.


Os artistas participantes da mostra, que tem curadoria de Olivia Ardui, são Moisés Patricio, Felippe Moraes, Marcelo Amorim, Elen Gruber, Jorge Soledar, Celina Portella, Maria Laet, Barbara Wagner e Pedro Marighella.

De 19/nov/2014 a 18/dez/2014

CENTRAL GALERIA DE ARTE
Rua Mourato Coelho, 751 - Vila Madalena
São Paulo - SP - CEP 05417-011
Telefone: (11) 2645-4480
Horários:
10h às 19h de segunda a sexta-feira
10h às 17h aos sábados

Clique aqui para acessar o site da galeria

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

‘‘Nós Chorámos Pelo Cão Tinhoso’’ de Ondjaki

No conto africano ''Nós choramos pelo cão tinhoso'', consegue-se notar as diferenças de escrita, de vocábulo, as diferenças culturais e sociais entre a literatura brasileira e a de origem africana.

Do livro ‘’Os da minha Rua’’ da Editorial Caminho, 2007, o conto é de Ondjaki, pseudônimo do escritor angolano Ndalu de Almeida, que estudou em Luanda e concluiu licenciatura em sociologia em Lisboa, Portugal. Fez doutoramento em "estudos africanos" (Itália, 2010).


O conto se passa na oitava classe, na aula de português, o que provavelmente se traduz pela oitava série do ensino fundamental, dadas as características relatadas no texto.

O ano era mil novecentos e noventa e a duração da estória, um pouco menos que uma aula inteira, isso no plano cronológico, pois no plano psicológico aparentava durar mais devido ao fato do texto ser de difícil leitura e muito pesado.

O ambiente do conto é o ambiente escolar, mas conseguimos perceber que trata-se da cidade de Luanda, por um comentário que o narrador-personagem faz ironicamente.

Confira então um pouco do jeito de escrever e de pensar desse povo tão diferente da gente, que é Brasileiro, mas também tão irmão, tudo por causa da língua portuguesa!

Nós Chorámos Pelo Cão Tinhoso
Para a Isaura. Para o Luís B. Honwana
Foi no tempo da oitava classe, na aula de português.

Eu já tinha lido esse texto dois anos antes mas daquela vez a estória me parecia mais bem contada com detalhes que atrapalhavam uma pessoa só de ler ainda em leitura silenciosa - como a camarada professora de português tinha mandado. Era um texto muito conhecido em Luanda: "Nós matámos o Cão Tinhoso".

Eu lembrava-me de tudo: do Ginho, da pressão de ar, da Isaura e das feridas penduradas do Cão Tinhoso. Nunca me esqueci disso: um cão com feridas penduradas. Os olhos do cão. Os olhos da Isaura. E agora de repente me aparecia tudo ali de novo. Fiquei atrapalhado.

A camarada professora seleccionou uns tantos para a leitura integral do texto. Assim queria dizer que íamos ler o texto todo de rajada. Para não demorar muito, ela escolheu os que liam melhor. Nós, os da minha turma da oitava, éramos cinquenta e dois. Eu era o número cinquenta e um. Embora noutras turmas tentassem arranjar alcunhas para os colegas, aquela era a minha primeira turma onde ninguém tinha escapado de ser alcunhado. E alguns eram nomes de estiga violenta.

Muitos eram nomes de animais: havia o Serpente, o Cabrito, o Pacaça, a Barata-da-Sibéria, a Joana Voa-Voa, a Gazela, e o Jacó, que era eu. Deve ser porque eu mesmo falava muito nessa altura. Havia o É-tê, o Agostinho-Neto, a Scubidú e mesmo alguns professores também não escapavam da nossa lista. Por acaso a camarada professora de português era bem porreira e nunca chegámos a lhe alcunhar.

Os outros começaram a ler a parte deles. No início, o texto ainda está naquela parte que na prova perguntam qual é e uma pessoa diz que é só introdução. Os nomes dos personagens, a situação assim no geral, e a maka do cão. Mas depois o texto ficava duro: tinham dado ordem num grupo de miúdos para bondar o Cão Tinhoso. Os miúdos tinham ficado contentes com essa ordem assim muito adulta, só uma menina chamada Isaura afinal queria dar protecção ao cão. O cão se chamava Cão Tinhoso e tinha feridas penduradas, eu sei que já falei isto, mas eu gosto muito do Cão Tinhoso.

Na sexta classe eu também tinha gostado bué dele e eu sabia que aquele texto era duro de ler. Mas nunca pensei que umas lágrimas pudessem ficar tão pesadas dentro duma pessoa. Se calhar é porque uma pessoa na oitava classe já cresceu um bocadinho mais, a voz já está mais grossa, já ficamos toda hora a olhar as cuecas das meninas "entaladas na gaveta", queremos beijos na boca mais demorados e na dança de slow ficamos todos agarrados até os pais e os primos das moças virem perguntar se estamos com frio mesmo assim em Luanda a fazer tanto calor. Se calhar é isso, eu estava mais crescido na maneira de ler o texto, porque comecei a pensar que aquele grupo que lhes mandaram matar o Cão Tinhoso com tiros de pressão de ar, era como o grupo que tinha sido escolhido para ler o texto.

Não quero dar essa responsabilidade na camarada professora de português, mas foi isso que eu pensei na minha cabeça cheia de pensamentos tristes: se essa professora nos manda ler este texto outra vez, a Isaura vai chorar bué, o Cão Tinhoso vai sofrer mais outra vez e vão rebolar no chão a rir do Ginho que tem medo de disparar por causa dos olhos do Cão Tinhoso.

O meu pensamento afinal não estava muito longe do que foi acontecendo na minha sala de aulas, no tempo da oitava classe, turma dois, na escola Mutu Ya Kevela, no ano de mil novecentos e noventa: quando a Scubidú leu a segunda parte do texto, os que tinham começado a rir só para estigar os outros, começaram a sentir o peso do texto. As palavras já não eram lidas com rapidez de dizer quem era o mais rápido da turma a despachar um parágrafo. Não. Uma pessoa afinal e de repente tinha medo do próximo parágrafo, escolhia bem a voz de falar a voz dos personagens, olhava para a porta da sala como se alguém fosse disparar uma pressão de ar a qualquer momento. Era assim na oitava classe: ninguém lia o texto do Cão Tinhoso sem ter medo de chegar ao fim. Ninguém admitia isso, eu sei, ninguém nunca disse, mas bastava estar atento à voz de quem lia e aos olhos de quem escutava.

O céu ficou carregado de nuvens escurecidas. Olhei lá para fora à espera de uma trovoada que trouxesse uma chuva de meia-hora. Mas nada.

Na terceira parte até a camarada professora começou a engolir cuspe seco na garganta bonita que ela tinha, os rapazes mexeram os pés com nervoso miudinho, algumas meninas começaram a ficar de olhos molhados. O Olavo avisou: "quem chorar é maricas então!" e os rapazes todos ficaram com essa responsabilidade de fazer uma cara como se nada daquilo estivesse a ser lido.

Um silêncio muito estranho invadiu a sala quando o Cabrito se sentou. A camarada professora não disse nada. Ficou a olhar para mim. Respirei fundo.

Levantei-me e toda a turma estava também com os olhos pendurados em mim. Uns tinham-se virado para trás para ver bem a minha cara, outros fungavam do nariz tipo constipação de cacimbo. A Aina e a Rafaela que eram muito branquinhas estavam com as bochechas todas vermelhas e os olhos também, o Olavo ameaçou-me devagar com o dedo dele a apontar para mim. Engoli também um cuspe seco porque eu já tinha aprendido há muito tempo a ler um parágrafo depressa antes de o ler em voz alta: era aquela parte do texto em que os miúdos já não têm pena do Cão Tinhoso e querem lhe matar a qualquer momento. Mas o Ginho não queria. A Isaura não queria.

A camarada professora levantou-se, veio devagar para perto de mim, ficou quietinha. Como se quisesse me dizer alguma coisa com o corpo dela ali tão perto. Aliás, ela já tinha dito, ao me escolher para ser o último a fechar o texto, e eu estava vaidoso dessa escolha, o último normalmente era o que lia já mesmo bem. Mas naquele dia, com aquele texto, ela não sabia que em vez de me estar a premiar, estava a me castigar nessa responsabilidade de falar do Cão Tinhoso sem chorar.

- Camarada professora - interrompi numa dificuldade de falar. - Não tocou para a saída?

Ela mandou-me continuar. Voltei ao texto. Um peso me atrapalhava a voz e eu nem podia só fazer uma pausa de olhar as nuvens porque tinha que estar atento ao texto e às lágrimas. Só depois o sino tocou.

Os olhos do Ginho. Os olhos da Isaura. A mira da pressão de ar nos olhos do Cão Tinhoso com as feridas dele penduradas. Os olhos do Olavo. Os olhos da camarada professora nos meus olhos. Os meus olhos nos olhos da Isaura nos olhos do Cão Tinhoso.

Houve um silêncio como se tivessem disparado bué de tiros dentro da sala de aulas. Fechei o livro.

Olhei as nuvens.

Na oitava classe, era proibido chorar à frente dos outros rapazes.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Um Bonde Chamado Desejo

Um Bonde Chamado Desejo é uma peça teatral de 1947, escrita pelo dramaturgo norte-americano Tennessee Williams, pela qual ele recebeu o Prêmio Pulitzer em 1947.


A peça estreou na Broadway em dezembro de 1947, e ficou em cartaz até dezembro de 1949, no Ethel Barrymore Theatre

Foi dirigida por Elia Kazan e estrelou Marlon Brando, Jessica Tandy, Kim Hunter, e Karl Malden.

Houve uma produção que estreou em Londres em 1949,  e estrelavam Bonar Colleano, Vivien Leigh, e Renee Asherson, dirigida por Laurence Olivier.

Houve várias adaptações da peça, sendo a mais conhecida a de 1951, que foi adaptada para filme, sob a direção de Elia Kazan, recebendo vários prêmios, inclusive o Oscar de melhor atriz para Vivien Leigh, no papel de Blanche.




Algumas adaptações criativas posteriores incluem uma ópera em 1995, com música de André Previn, a qual foi apresentada no San Francisco Opera.

A obra conta a estória de dois personagens que são destaque na peça, tornando-se, na cultura popular, ícones representativos do conflito: Blanche DuBois, uma nostágica reminiscente da cultura sulista, e Stanley Kowalski, um representante da classe operária.

A peça apresenta Blanche DuBois, uma decadente beleza sulista com pretensões de virtude e cultura que, através da fantasia, busca encobrir, para si mesma e para os outros, a realidade. Disfarça suas desilusões através da idéia de se mostrar – e se acreditar – ainda atraente e com possibilidade de novas conquistas amorosas. 



Blanche chega ao apartamento de sua irmã Stella Kowalski, no Faubourg Marigny, de Nova Orleans, sobre a Elysian Fields Avenue, e um dos transportes que utiliza para chegar é um bonde chamado "Desire". O ambiente urbano é um choque para Blanche, em virtude da nostálgica evocação de sua propriedade sulista, "Belle Reve", em Laurel, Mississippi, que havia sido perdida, segundo ela, por intrigas de seus ancestrais.

 Blanche culpa continuamente o nervosismo como fator de seu afastamento do trabalho como professora de inglês, quando na verdade a causa foi o relacionamento com um estudante de 17 anos, o que a levou a fugir de Laurel. Um breve casamento desfeito pela descoberta da homossexualidade do marido Allan Grey e seu consequente suicídio lançaram Blanche para dentro de um mundo de fantasias e ilusões misturadas à sua realidade.

Em contraste com o retraimento e respeito de Stella e o pretensioso refinamento de Blanche, está Stanley Kowalski, que representa o poder da natureza bruta: primal, rude e sensual. Ele domina Stella em todas as suas attitudes, e é física e emocionalmente abusivo. Stella tolera seu comportamento como parte de sua atração; seu amor e relacionamento são baseados no poder animalesco e química sexual, algo que Blanche considera impossível entender.



A chegada de Blanche perturba o sistema de mútua dependência entre Stella e Stanley. Com a presença do amigo de Stanley, que se torna pretendente de Blanche, Harold Mitchell, o conflito se agrava. Stanley descobre o passado de Blanche, a ameaça e, num confronto final – Williams alude ao fato, mas não o afirma diretamente –, a violenta, resultando na crise nervosa de Blanche. Stella a encaminha para uma instituição de tratamento mental e, no momento final, ela se dirige ao médico que a levará: "Whoever you are, I have always depended on the kindness of strangers…" ("Seja você quem for, eu sempre dependi da bondade de estranhos…")

A obra trás uma reflexão sobre a velha América e a nova América, sob a presença de imigrantes. Blanche é pobre e Stanley, um polonês imigrante, é poderoso e confiante.

Há um constante conflito entre a realidade e a fantasia. Blanche, em determinada cena, diz: "I don't want realism, I want magic" ("Eu não quero realismo, eu quero magia").

Esse tema recorrente é muito forte na caracterização que Williams faz de Blanche DuBois e o sentido figurado que ela emprega em sua idealização e busca pela magia: um papel quebra-luz a envolver a berrante claridade da lâmpada no living; seu insistente e repetitivo relato dos últimos anos em Belle Reve; a miscelânea de cartas para Shep Huntleigh; e uma pronunciada tendência ao consumo de álcool. 

De acordo com alguns críticos, "Blanche spins a cocoon linguistically for protection" ("Blanche engendra um casulo linguístico para sua proteção"). Blanche cria seu mundo de fantasias com as características do meio que conhece, tais como ser donzela, beleza sulista ou professora de escola. Ela utiliza seus relatos para criar uma fachada sob a qual se esconde, conciliando seus segredos numa tentativa de voltar à glória do passado, e ilustrando sua inabilidade para transmitir aos outros seu senso de normalidade.

Notavelmente, a decepção de Blanche com relação aos outros e a si mesma, não é caracterizada por malícia, mas prefere demonstrar sua desilusão através do "coração partido" e tristeza, remetendo a um tempo romântico e feliz antes do "decepção" que marcou sua vida.

O contraste entre Blanche e Stanley pode ser entendido como reflexo da oposição: a falsa, ilusória e decepcionada mulher, versus o rude, brutal e animalesco marido de sua irmã, a realidade em sua presença física.

Abandono dos códigos cavalheirescos

Nos contos de fada, a princesa aflita ou a donzela em apuros é frequentemente resgatada pelo príncipe heróico e forte. Em ''Um Bonde Chamado Desejo'' a ausência do homem másculo com qualidades heróicas é a característica. Na verdade, o opositor ao cavalheiresco herói pode ser representado pela principal figura masculina da peça, Stanley Kowalski. 


Stanley é descrito por Blanche como um "sobrevivente da idade da pedra", com maneiras incivilizadas, comportamento violent, ausência de empatia, e atitudes chauvinistas mediante as mulheres. Da mesma forma, Mitch é socialmente desastrado, e apesar de cavalheiro, é estúpido.

Há a possibilidade da personagem de Blanche ter se baseado na história da irmã de Tennessee, Rose Williams, que tinha problemas mentais e foi submetida a uma lobotomia.


Tennessee Williams na verdade é pseudônimo de Thomas Lanier Williams III (Columbus - Mississipi, 26 de março de 1911Nova Iorque, 25 de fevereiro de 1983) que foi um dramaturgo estadunidense, ganhador de muitos prêmios.